A primeira vez que vimos Luís Nunes foi numa foto maravilhosa que se “cruzou” connosco nas redes sociais. De bata branca, expressão entre profissional e ternurento e rodeado de pessoas albinas em plena missão humanitária. Mas atenção, não foi ele que a partilhou, porque desde o primeiro momento que conversámos, já de olhos nos olhos, percebemos que este é um homem de ações e pouco de se debruçar sobre as bonitas vitórias humanas que conquista. É para isso que aqui estamos! O ótico natural de Moçambique, criado em Portugal, na Lousã, desenvolve hoje um robusto grupo de óticas sob a marca Óptica Olhar Cintilante, na região centro. É de uma afeição fácil, porque dá de si o melhor que tem em prol dos outros. Aliás, em modo de brincadeira, admitiu que é o maior concorrente da sua ótica, porque contribuiu em muito com ações de solidariedade social para a melhoria da visão dos seus conterrâneos. E depois, poucos são os que lhe resistem na zona, pela conversa fácil, o sorriso sincero e o modo leve de encarar a vida e os respetivos desafios. Aliás, enquanto falámos quase que “viajámos” juntos a Moçambique, revivendo a aventura que nos levou até ele, passo a passo, através das pessoas, dos gestos e das vidas que ficaram melhores depois da sua passagem. E não vai ficar por aqui.
Como surgiu a ideia de ir em missão humanitária a Moçambique?
Antes de mais, gosto de meter “a mão na massa” e não muito de me expor sobre estas iniciativas. Quem me conhece sabe bem disso. Porém, há algo que me motiva: ajudar o próximo. Por outro lado, também sou moçambicano. Este projeto iniciou-se em 2021, quando uma companheira do Rotary Club de Coimbra, a Isabel Garcia, que já apoiava a associação Kanimambo me disse que tinha um projeto e sabia que eu era “louco” o suficiente para a ajudar. (risos). Disse-lhe logo, “vamos embora!”. Falou-me então de uma menina que tinha 21 dioptrias negativas e que já trabalhava num hotel e um astigmatismo de 3,5. Esta menina não via quase nada. Ainda por cim, a receita disponível já tinha um ano e meio. É importante na nossa profissão sabermos o formato do rosto e outras inerências ao acabamento dos óculos e não nos disponibilizaram. Ainda assim arrisquei com as poucas informações que tinha e correu muito bem. Depois recebi um testemunho dela e no fim do mesmo mandou um vídeo de onde fixei o desafio “não fiquem por aqui!”.
E não ficaram!
Depois desse caso, auxiliamos mais três albinos. O ano passado, a Isabel Garcia lançou-me novo desafio, “grande, mas que é mesmo para si”, disse- -me. Tínhamos em mãos 51 albinos, em Nampula, que precisavam de ajuda, identificados pela Cáritas, que fazem esse trabalho precioso no terreno e que conhecem tão bem a realidade local. No sábado seguinte mandou-me as receitas prescritas pelos oftalmologistas e optometristas locais, 51, tudo de fabrico, e pediu-me um orçamento, que avaliei em 27 mil euros. Com o apoio dos nossos dois clubes rotários e do Rotary Foundation só conseguíamos cinco mil euros. Perante este cenário, a Isabel sugeriu que pelo menos interviéssemos junto dos albinos que já trabalhavam. Mas estava também em causa o futuro das crianças. Para mim estava fora de questão. Tinha que garantir que íamos chegar a todos. E assim foi. Contactei diferentes laboratórios de lentes que demonstraram logo interesse. Nós, Olhar Cintilante, oferecemos as armações e a Polo proporcionou as lentes. Todos os envolvidos nesta missão foram incríveis, nomeadamente os colegas optometristas de Nampula, que conseguiram reunir 32 albinos num fim de semana no hospital para os examinar. E foi um trabalho de excelência e as receitas que enviaram tinham todos os parâmetros exigidos para uma boa execução. Depois faltava organizar a ida para Nampula. Aquelas pessoas tinham que ter todas as condições, semelhantes às que oferecemos aqui, caso contrário não valeria a pena. Tudo isto seguindo o meu lema de vida: “vamos fazer”. A prova disso é que quando a Isabel me perguntou quando ia conseguir, eu respondi: “já consegui!”
E como é que se tornou ótico?
Fui com 18 anos para a Força Aérea, pertenci ao quadro permanente, cheguei a Sargento. Aos 27 anos precisava de ir viver para Lisboa, que era onde estavam a maior parte das unidades e eu vivia em Lourosa. Como a família não podia deslocar-se desisti da Força Áerea. Estava fora de questão estar longe. Foi um amigo que me falou da ótica. Não tinha nada a ver com a área, porque sou mecânico de aviões de formação, mas apesar de ter começado do zero foi um setor que me envolveu. Agora já conto 32 anos desta profissão. Comecei pela criação do grupo Óptica Nunes com quatro lojas, em 1992, na Lourosa, e depois de uma separação, em 2008, deixei esse grupo à mãe dos meus filhos e recomecei tudo com a primeira Olhar Cintilante, em Cantanhede, num regresso à terra familiar, na Lousã. Hoje somos sete lojas!
Entrevista completa na Millioneyes 132