Tínhamos na nossa ideia um Carlos Alves ativista, mas encontrámos muito mais numa conversa informal e, claro, divertida. É que este ótico de origem nortenha radicado em Lisboa vive a vida de forma ligeira, ao som das gargalhadas de quem o ouve a ser ele próprio. O humor e os sonhos fazem parte da sua essência e é também por isso que conquista sucesso em tantas vertentes do seu percurso. Fomos observando as suas ideias e a sua inquietude na página Malta da Óptica, desafio que partilha com as colegas Patrícia Barão e Alexandra Leocádio.Trata-se de uma página do Facebook onde se presta um serviço de contornos associativos aos óticos envolvidos. É um projeto de entreajuda e união exemplares no nosso setor. E o mercado tem a sorte de envolver pessoas tão diferentes quanto especiais como Carlos Alves.
Em praticamente contraciclo daquilo que se vê na ótica, o Carlos, juntamente com alguns colegas, decidiu empreender uma ação a favor da união da classe, lançando a página Malta da Óptica.
Sou administrador juntamente com a Alexandra Leocádio e a Patrícia Barão, a verdadeira criadora, e para quê? Para juntar uns 10 a 15 amigos para umas almoçaradas (risos). No entanto, o mundo da ótica é muito pequeno e desses 10/15 passamos a três mil! Nessa altura achámos que, perante tantos óticos reunidos, a página poderia ser mais útil e servir para mais do que almoçaradas. Criou-se um espírito de entreajuda, porque o colega do Algarve não tem acesso a determinada coleção e pede na Malta da Óptica se alguém o pode ajudar, e tantas outras situações. E não só aconteceu esse processo de entreajuda como se lançam processos de recrutamento por parte das empresas. Os fornecedores também aproveitam as valências da nossa página para publicitarem os seus produtos. E istofoi crescendo muito e tomou as proporções que tem hoje. Tentamos chegar ao máximo de óticos possível, embora ainda existam colegas muito resistentes às redes sociais.
Em que ponto sentiu a necessidade de expressar a sua inquietude ativista?
A Malta da Óptica não veio propriamente tapar uma lacuna que sentisse. Isto surgiu como uma forma de convívio. Porém, como se juntaram muitas pessoas, percebemos que podíamos fazer mais e ir mais além. Ou seja, não há uma cronologia do momento em que achámos que podíamos intervir no setor. A página é séria, tem uma lista de requisitos para se participar, e procuramos reduzir o spam, ou seja, limitar os fornecedores ou até óticos que inundam a página com informações dos seus produtos e serviços. O que queremos é responder àquele ótico que não tem uma resposta ou não consegue ter. Isto não é uma página que defende os pequenos e oprimidos. É aberta a todos. Nós também temos empresários de grandes grupos. Outra parte complexa na gestão da página é a quantidade de pessoas que querem entrar e não fazem parte da ótica. Debatem-se assuntos que não podem ser do domínio comum e, portanto, o nosso maior terror é chegar ao final do dia e termos 35 pessoas que querem fazer parte da página e todas elas têm que responder a três perguntas e não o fazem. Alguns óticos depois contactam-me a queixarem- se que têm um amigo que pediu para a aderir há muito tempo e não teve resposta. Só digo que, como não têm referências à ótica na página e só tem fotos das férias na República Dominicana, não entram (risos).
Já pensou assumir um papel mais político na ótica?
Nunca me passou pela cabeça , embora não descarte. A questão é que teria que ser em condições especiais, com um grupo que fosse representativo da ótica na sua totalidade e não só dos que estão bem ou mal e zelar por todos da mesma forma, independentemente da localização geográfica. E para conseguir reunir estes requisitos exigiria muito trabalho, quase ter que abandonar a ótica própria para assumir essa missão. E quem está na ótica gosta de sentir o seu cliente. Não se consegue ter o sol na eira e a chuva no nabal.
E agora sobre o Carlos, o que o lançou na ótica?
Lancei-me por acidente! Trabalhava com turismo e falava fluentemente três línguas. Abriu uma vaga numa ótica para alguém que falasse vários idiomas, durante o período do verão. Contrataram- me para três meses e no fim desse período já não era só vendedor. Já me tinha inteirado sobre como colocar parafusos, ajustar as hastes, mudar as lentes e acabei por ficar intrinsecamente ligado ao setor. Depois com o gosto vieram os cursos e o aperfeiçoamento. Já não consegui voltar ao turismo. Entre o ócio e a saúde escolhi a saúde.
Era jovem na altura.
Tinha 24 anos e hoje tenho 49. Naquela altura disseram-me que a ótica era o ramo mais nobre do comércio, depois da farmácia, por estar relacionado com a saúde. Sempre foi a fiabilidade do profissional que estava atrás do balcão que atribuía essa imagem de confiança e, hoje em dia, essa ideia ainda prevalece. Há mesmo quem me diga que não gosta de ir à ótica x, porque mudam com demasiada frequência de profissionais e que cada vez que lá vai tem que voltar a contar toda a sua história. Assim desaparece a proximidade. E nós no nosso setor prezamos esse elo com o consumidor final.
Entrevista completa na Millioneyes 109